quinta-feira, 17 de maio de 2012

Artigo: Alguns Efeitos da Lide Simulada

São vários os nomes que são atribuídos à fraude processual de CONLUSÃO. “Casadinha”, “amarrada”, lide simulada dentre outros figuram na lista da conduta, diga-se talvez, mais deprimente que as partes e procuradores podem adotar para resolver uma situação.

Consiste, basicamente, no ato das partes acordarem determinada situação antes mesmo de ajuizar uma ação, utilizando-se do Poder Judiciário como mero meio homologatório.

Na seara do Direito do Trabalho vem se tornando cada vez mais comum o empregador “indicar” um advogado, o qual já sabe os termos do futuro acordo para que receba seus direitos. Resumindo, o empregador passa o contato de um advogado, já conhecido daquele, ao empregado, de forma que este ajuíze ação pleiteando determinadas verbas, inclusive rescisórias, mas já com a promessa de acordo em determinado valor e condições específicas, encenando uma conciliação em juízo.

Isso se dá pela suposta garantia da homologação, ao realizar a coisa julgada, o ato homologatório não pode ser alterado por nova reclamação no juízo de origem ou por recurso.

Neste caso, porém, é cabível a ação rescisória, com fulcro no artigo 485, III do Código de Processo Civil, caso reste demonstrado eventual vício de consentimento, o que, na maioria das vezes, ocorre.

Ocorre porque, mediante o temor reverencial existente do empregado para o empregador, o medo de perder o emprego, de eventualmente não receber valores adstritos aos seus direitos trabalhistas e tendo família para sustento, não lhe resta alternativas muito viáveis.

Neste ponto, o Tribunal Superior do Trabalho já se manifestou, após reiteradas práticas, editando a Orientação Jurisprudencial nº 154, da Seção de Dissídios Individuais 2, in verbis:

“AÇÃO RESCISÓRIA. ACORDO PRÉVIO AO AJUIZAMEN-TO DA RECLAMAÇÃO. QUITAÇÃO GERAL. LIDE SIMULADA. POSSIBILIDADE DE RESCISÃO DA SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO APENAS SE VERIFICADA A EXISTÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. (DEJT divulgado em 09, 10 e 11.06.2010) A sentença homologatória de acordo prévio ao ajuizamento de reclamação trabalhista, no qual foi conferida quitação geral do extinto contrato, sujeita-se ao corte rescisório tão somente se verificada a existência de fraude ou vício de consentimento.”

A necessidade do vício de consentimento se dá por um simples motivo: se é do interesse do reclamante referido acordo, não há de se falar em fraude à lei. Mesmo porque nosso ordenamento jurídico não prevê tal conduta como crime propriamente dito, muito embora passível de representação contra o causídico junto à OAB e eventual intervenção do órgão previdenciário.

Além da ação rescisória, a parte que age no intuito de fraudar a lei está sujeita à multa por litigância de má-fé, a qual, conforme a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), em seu artigo 32, caput, determina a responsabilidade do advogado que age com dolo. Referida multa consiste em 1% do valor atribuído à causa, podendo chegar a 20%.

Recentemente a sociedade jurídica paulistana presenciou uma turbulência neste sentido, visto que ganhou destaque a ocorrência de lide simulada tida junto à 1ª Vara do Trabalho de Itapecerica da Serra (Grande São Paulo).

No dia 10/05 do presente ano, nos autos do processo nº 318/2012, ao ouvir o depoimento pessoal do reclamante, o juiz Régis Franco e Silva de Carvalho (famoso na região por outros casos inovadores como, por exemplo, telefonar para a empresa reclamada para saber porquê uma testemunha não havia comparecido) presenciou a seguinte narrativa:

“O reclamante esclareceu que trabalhou para a Reclamada como garçom e que teve o interesse de deixar o trabalho, motivo pelo qual conversou com o patrão aqui presente, manifestando seu interesse em sair, sendo que o patrão lhe ofereceu R$ 2.000,00 de acordo, o que foi aceito pelo reclamante. O acordo foi entabulado enquanto o reclamante ainda trabalhava para a reclamada, sendo que o reclamante está presente nesta data neste Juízo "para assinar a papelada", sendo que foi encaminhado a este procedimento pelo patrão. O reclamante deixa claro que não foi ele quem contratou o advogado aqui presente, sendo "que o conheceu lá na empresa"” [Grifei]

Isso ocorreu porque o magistrado teve o feeling para perceber a lide simulada quando do oferecimento da proposta de acordo, visto que o causídico estava patrocinando ambas as partes.

Além disso, restou amplamente claro que, dada a ausência de contratação e a “revelação” do caso pelo reclamante, configurou-se um evidente vício de consentimento.

Neste momento, o juiz extinguiu o feito sem resolução do mérito, com embasamento no artigo 129, do Código de Processo Civil, que traz:

“Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.”

Determinou ainda expedição de ofícios ao MP, MPT, MPF, INSS, Polícias Civil e Federal e, por óbvio, à OAB/SP. Condenou ambos, empregador e advogado, ao pagamento de multa de 20%  do valor da causa à União, por ato atentatório ao exercício da jurisdição, igual valor por litigância de má-fé revertido ao reclamante e, pelo mesmo motivo, a 1%.

Ganhou maior notoriedade o fato quando o advogado excedeu-se e passou a “gritar” na sala de audiências, tudo perante o membro da Comissão de Prerrogativas, sendo que o juiz deu-lhe voz de prisão por desacato.

Por se tratar de uma prova de difícil produção, visto que na maioria das vezes são dois advogados, cada um patrocinando uma parte, outros elementos podem servir de indícios para apuração da fraude litigiosa, como, por exemplo, nomeação de procurador em data pouco anterior ao ajuizamento da ação, pouca distância de localização entre escritórios de ambos os advogados, ou do escritório do suposto advogado do reclamante para a sede do empregador, atuação de ambos os advogados em outras lides semelhantes etc.

Na esfera pessoal, tive, recentemente, um caso de um cliente que relatou ter sido coagido pelo empregador a procurar um advogado, o qual ajuizaria reclamação para haver suas verbas rescisórias antes mesmo de sua dispensa. O advogado recusou, mas não por conta da lide simulada e sim porque o “tempo de casa era pouco”.

Os efeitos de uma lide simulada vão além de uma ação rescisória e condenação a eventuais diferenças de verbas trabalhistas, pois afetam o prestígio de um profissional, sua reputação e a das partes, além de atacar a parte econômica de ambos.

terça-feira, 15 de maio de 2012

ARTIGO: O Bom Senso na Interpretação do Artigo 7º, XXVI, da CF


A Constituição Federal prevê, em seu artigo 7º, inciso XXVI, que é direito do trabalhador o reconhecimento das convenções e acordos coletivos. Por estar na Carta Magna, previsto como um direito social, muitos magistrados tem deixado o bom senso de lado e adotado tal medida como absoluta.

Um erro, seria a melhor maneira de descrever tal conduta. Isso porque tal dispositivo constitucional deve ser analisado sob uma óptica totalmente relativa, de forma que os dispositivos convencionais NÃO podem suprimir direitos e garantidas advindas de legislação.

A título de exemplo, caso uma convenção coletiva de determinada categoria, porventura, venha aprovar a possibilidade de salário in natura de alimentação ser superior a 20%, a Constituição determina seu reconhecimento, entretanto viola expressamente o disposto no artigo 458, §3º, da CLT.

Ou seja, o julgador não pode ficar adstrito ao que a Constituição determina, de forma absoluta, irrevogável e como fundamento para determinar uma convenção ou um acordo coletivo superior à CLT.

Para melhor ilustrar e demonstrar a veracidade do que muitos magistrados vem julgando, segue uma ementa abaixo, do TRT da 2ª Região – SP:

“Redução do intervalo de refeição por norma coletiva. Validade. Existindo cláusula de Acordo Coletivo ou Convenção Coletiva de Trabalho reduzindo a duração do intervalo intrajornada, tal previsão deve ser respeitada, por refletir a vontade normativa coletiva, amparada expressamente na atual Constituição Federal.” (TRT 2ª Região. 14ª Turma. Acórdão nº: 20120364519. Relator(a): Elisa Maria de Barros Pena. P. 03/04/2012) [Grifei]

E:

“INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO POR NORMA COLETIVA. Por força da Constituição Federal (arts. 7º, XXVI e 8º) a norma coletiva é o instrumento adequado para flexibilizar a jornada de trabalho, eis que decorrente do principio da liberdade sindical. O sindicato, agente da negociação, pode atender melhor e de forma mais eficiente os interesses de seus representados. Caso não se dê validade a tais pactos,deixa-se, inclusive de reconhecer a legitimidade do ente coletivo.” (TRT 2ª Região. 3ª Turma. Acórdão nº: 20120324657. Relator(a): Thereza Christina Nahas. P. 27/03/2012)

Importante salientar que em ambos os casos acima ementados, era TÃO SOMENTE previsão em norma coletiva que autorizava a redução do intervalo intrajornada, não possuindo as reclamadas autorização do MTE para tal conduta.

Assim, feriram os julgados, claramente, o disposto no artigo 71, caput e §3º, da CLT, ou seja, as respectivas convenções coletivas foram colocadas acima da Consolidação das Leis do Trabalho. E mais, ao afrontar diretamente a CLT, ousaria dizer que violaram o artigo 9º, da CLT, in verbis:

“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” [Grifei]

Ora, assim, não pode ser, de forma alguma, as disposições convencionais objetos de análise cega e rígida, muito menos como forma de supressão de direitos laborais.

Entende-se, assim, que as normas coletivas podem, sim, atribuir mais direitos a trabalhadores, visando, contudo, as respectivas disponibilidades dos empregadores, mas JAMAIS reduzir direitos, salvo os que não venham da Lei ou os que não sejam adquiridos.

Portanto, vem faltando a alguns magistrados um bom senso na aplicação do artigo 7º, XXVI, da Constituição, o qual, repito, não pode ser absoluto, não devendo, ainda, alterar a hierarquia das normas em nosso ordenamento jurídico.