Conta-salário. Para alguns uma benção, para outros um final trágico. Afinal, o empregador pode exigir que o empregado abra uma conta-salário? E, por que não, um empregado pode se negar a abrir a conta?
A Consolidação das Leis do Trabalho prevê esta modalidade de pagamento dos salários, para muitos que não sabem. Em seu artigo 464, parágrafo único, diz que o empregado pode receber seu salário de diversas formas, dentre elas “conta aberta para este fim”.
Mas, quais são, enfim, os requisitos e pormenores que precisam ser observados para este uso?! Simples: o empregador fornece ao empregado uma carta, assinada, solicitando a uma instituição financeira que proceda com abertura de conta-salário (descrita assim), para que o empregado receba, por ela, seus rendimentos. Isso facilita a vida do empregador de várias formas, pois não tem de emitir cheques, não fica com os valores em espécie (correndo o risco de um furto, roubo ou algo semelhante), transfere diretamente para a conta do empregado sem quaisquer ônus (geralmente é o mesmo banco da conta do empregador), é imediato... Para o empregado também pode ser muito vantajoso, pois não precisa se deslocar ao banco e pegar filas enormes para trocar um cheque, nem fica com os valores em espécie, correndo os mesmos riscos do empregador dentre outras vantagens. Ora, sequer precisa ter o “nome limpo” para ter a conta.
Entretanto, leitores, nem tudo são flores. Há quem veja a obrigação da conta bancária uma forma de ilegalidade, pois, segundo esta visão, o empregado não pode ser forçado a ter uma conta-salário. Também existem pessoas que entendem que os empregados não podem estar sujeitos às negociações entre empregador e banqueiros, de forma que aquele consiga menos tarifas enquanto que estes mais clientes.
Fato é que, ambos, empregado e empregador, devem ter em mente alguns cuidados básicos na hora de utilizar esta ferramenta, os quais passam a ser expostos.
Para o empregado, o cuidado básico é checar se realmente se trata de uma conta-salário (as tarifas são reduzidas e a forma de aplicação mais vantajosa). Exija do empregador uma carta, na qual este solicita à instituição bancária a abertura de referida conta. E, para ajudar os advogados, se possível, tire uma cópia desta carta (continue lendo e vai entender o motivo).
Para o empregador, não atrase o salário. Isso implicará em tarifas ao empregado e, possivelmente, uma reclamação trabalhista na qual certamente estará inclusa esta informação. Mas, principalmente, informe a instituição bancária em caso de rescisão do contrato de trabalho, com um mero protocolo.
Esses cuidados advêm da resolução nº 3402/2006 do Banco Central do Brasil, a qual, por ser silente em muitos assuntos, pode atrapalhar o uso da conta-salário.
Referida norma, prevê a vedação de cobrança de tarifas pela prestação dos serviços (art. 2º, I), no entanto permite “dedução” de valores relativos a outros serviços, assim previsto no §1º, II, senão veja-se:
“§ 1º A vedação à cobrança de tarifas referida no inciso I aplica-se, inclusive, às operações de:
(...)
II - transferências dos créditos para outras instituições, quando realizadas pelos beneficiários pelo valor total creditado, admitida a dedução de eventuais descontos com eles contratados para serem realizados nas contas de que trata o art. 1º, relativos a parcelas de operações de empréstimo, de financiamento ou de arrendamento mercantil.” [Grifei]
Aí está incluso o crédito atribuído pela instituição financeira, vulgarmente conhecido como “cheque especial”. Trata-se do LIMITE que as instituições financeiras oferecem aos titulares de contas e que, geralmente, nos deixam com a “corda no pescoço”.
Assim, repete-se, nem tudo são flores nesta relação jurídica. A título de exemplo, um empregado pode contratar o limite para sua conta sem nunca ter usado, entretanto isso FOGE AO SEU EFETIVO CONTROLE, pois seu empregador não consegue efetuar o pagamento dos salários integralmente por dois meses consecutivos. O empregado, então, utiliza o limite, pois depende dos valores com caráter alimentar. Surge, então, o maior problema, pois os juros daí advindos são, como bem é sabido, altíssimos.
Não obstante o exemplo acima, é possível citar o que comumente ocorre. Mais grave que o exemplo e com resolução somente judicial. O empregado abre, por conta do novo emprego, uma conta-salário. Utiliza normalmente, incluindo o limite quando os salários começam a atrasar ou a necessidade, por si só, faz com que utilize. Eis que é rescindido seu contrato de trabalho e o empregador incide em mora no pagamento das verbas rescisórias, liberação do FGTS etc. O empregado, ignorante quanto à sua condição bancária, continua sua vida normalmente, talvez buscando o auxílio de um advogado para resolver a questão das verbas rescisórias, enfim, não se lembra do seu indesejável limite bancário e, quando menos espera, é surpreendido pela inclusão de seu nome no registro dos órgãos de proteção ao crédito, pelo débito com a instituição financeira.
Inicia-se, então, uma longa jornada jurídica para decidir se o empregador tem responsabilidade de ressarcimento ou não.
Muito embora o artigo 4º, IV, da Resolução do BACEN trazer expressamente que, dentre outras cláusulas contratuais entre empregador e instituição financeira, deve haver uma trazendo a responsabilidade do empregador em informar a instituição no caso de rescisão do contrato do empregado, a jurisprudência ainda diverge neste ponto.
O caso ainda é “novo” no âmbito do entendimento jurisprudencial. Podem ser analisados os dois únicos entendimentos de turmas que pude encontrar, senão vejam-se:
Ementa: “SERASA. INCLUSÃO DO NOME DO EMPREGADO POR DÉBITO NA CONTA-SALÁRIO INATIVA. DANO MORAL. É de notório conhecimento que as empresas, no intuito de lhe serem subtraídos encargos e oferecido crédito direto, além de outras vantagens, negociam suas folhas de pagamento com instituições bancárias, impondo aos trabalhadores o recebimento em conta aberta em bancos e agências de escolha do empregador. Enquanto para as empresas esta negociação produz vantagens recíprocas, para o trabalhador, todavia, a venda da sua conta-salário representa prejuízo: a uma, porque sem ser consultado a respeito, e portanto, à sua revelia, é negociado como mercadoria, dentro do pacote transacionado entre banco e empresa; a duas, porque sofre autêntica redução salarial, ao arrepio do artigo 468 da CLT, vez que sobre a conta-salário incidem custos operacionais, cobrança de talonário, cartão etc, que lhe são repassados, de sorte que ao final terá em suas mãos sempre menos do que receberia se fosse pago diretamente pelo empregador; a três, está sujeito a cobranças indevidas e diversas formas de ingerência do banco sobre seus salários, em função da relação trilateral imposta pelo empregador. E foi justamente o que ocorreu, in casu, vez que o reclamante, após seu despedimento e conseqüentemente, tendo se tornado inativa a conta-salário, veio a ser surpreendido pela inclusão de seu nome no cadastro de devedores do SERASA, por inadimplência de taxas da referida conta, com reflexos diretos em seu perfil social, perda de crédito e constrangimentos morais diversos. A omissão das empresas em cancelar a conta-salário e respectivas cobranças torna-as solidariamente responsáveis pelos danos morais ocasionados, de que resulta o dever de indenizar. Recurso a que se nega provimento.” (TRT 2ª Região. 4ª Turma. Acórdão nº: 20090312362. Processo nº: 01853-2007-446-02-00-2. Relator(A): RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS. Data de Publicação: 08/05/2009) [Grifei]
Trecho do Acórdão: “Denota-se, portanto, que a responsabilidade pelo encerramento da conta-salário ou, ao menos, pela comunicação à instituição financeira da extinção do contrato de trabalho é do empregador. Tal atribuição, conforme a norma acima referida, consiste em cláusula obrigatória do contrato firmado entre a empregadora e o banco, sendo, portanto, de notório conhecimento da ré. Dessa forma, cabia à reclamada, também, demonstrar que efetuou a solicitação de cancelamento da conta-salário da reclamante, ônus do qual não se desincumbiu, já que a empresa sequer nega sua inércia no aspecto, sustentando que cabia à obreira fazê-lo. De outra sorte, é incontroverso que o nome da autora foi incluído no banco de dados do Serviço de Proteção ao Crédito - SPC, em razão dos débitos existentes na conta salário aberta por ocasião da admissão da reclamada [leia-se autora]. O extrato de consulta a tal órgão, obtido em 15-05-2007, aponta a existência de um débito junto ao Banco do Brasil S/A (fl. 16). Resta evidente, portanto, a ocorrência de abalo moral da obreira, já que, nestes casos, o dano é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato, segundo entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça. Assim, configurado o ato ilícito do empregador, do qual resultou o registro indevido em órgão de proteção ao crédito, que causou dano moral à autora, há o dever de reparação, a teor do disposto no art. 927 do Código Civil.” (TRT 4ª Região. 10ª Turma. Processo nº: 0000564-51.2010.5.04.0661. Relator(a): MILTON VARELA DUTRA. Data de Publicação: 17/03/2011) [Grifei]
Em primeira análise, importante verificar que são entendimentos semelhantes advindos de regionais diversos.
No primeiro entendimento, a 4ª Turma do TRT da 2ª Região entende ilícita o que o relator chama de “negociação de folhas de pagamento” dos empregadores com as instituições financeiras, ou seja, a indicação de instituição financeira pelo empregador ao empregado para abertura de conta-salário.
No segundo entendimento (um trecho do acórdão, pois a ementa versa sobre quantum indenizatório), mais legalista, o relator cita a resolução do Banco Central, atribuindo a obrigação do empregador em notificar a instituição financeira e, em sua ausência, a obrigação de indenizar constante no caput, do artigo 927, do Código Civil.
Em suma, importante verificar, à luz da legislação vigente, que a resolução do Banco Central, em seu artigo 4º, IV, ao trazer a obrigatoriedade do empregador em informar a instituição financeira sobre a rescisão do contrato de trabalho do empregado, impõe, em sua omissão, um ATO ILÍCITO, com previsão no artigo 186 do Código Civil.
Para a existência de responsabilidade de indenizar, é de comum sapiência os três requisitos: conduta danosa, dano e nexo de causalidade. Portanto, vê-se que a omissão voluntária do empregador constitui ato ilícito, e, assim, uma conduta capaz de gerar o dano. A inclusão do nome do empregado nos registros dos órgãos de proteção ao crédito é, por si só, um dano moral. Já para a análise do nexo de causalidade, basta verificar que, se não fosse a omissão do empregador (omissão voluntária), o empregado não teria um dano (“nome sujo”), logo, o dano decorreu da conduta, havendo, assim, o nexo de causalidade.
Preenchidos os requisitos, nasce o dever de indenizar, o qual é do agente danoso, ou seja, empregador.
Ainda faltam casos práticos para análise dos Tribunais Regionais do Trabalho para que se concretize e solidifique um entendimento unificado junto à Corte Superior do Trabalho.
Por fim, ficam as dicas para empregados e empregadores. Antes de contratar os serviços de conta-salário, dada a precariedade contida na resolução do Banco Central, é necessário observar cuidados básicos, tanto no momento da contratação quanto ao final, pois, como visto pode se tornar uma ferramenta indigesta.